A Escola dos Sonhos existe: uma viagem onde Paulo Freire mora em cada cantinho

 A Escola dos Sonhos existe: uma viagem onde Paulo Freire mora em cada cantinho

Sítio Monte Carmelo, onde pulsa o coração da Escola dos Sonhos: um lugar onde o brincar, o saber e o território caminham juntos rumo à liberdade. Foto: Sérgio Melo

Por Sérgio Melo

 

Durante três dias inesquecíveis, vivi a experiência de uma educação que liberta, encanta e transforma — no coração do Brejo paraibano, onde o saber caminha de mãos dadas com a terra, a cultura e os sonhos das crianças.

 

Quando Romério Zeferino me falou da Escola dos Sonhos, confesso que a primeira coisa que me veio à cabeça foi: “esse nome é real ou uma metáfora bonita?”. Ele falava com um brilho nos olhos que só quem acredita no que diz consegue manter aceso. Era mais que entusiasmo — era um convite para sonhar acordado.

Romério, companheiro de caminhada no ECOAMA, me apresentou não só a Escola, mas um projeto que estava desenvolvendo por lá, fruto de sua tese de doutorado. Um trabalho que mistura audiovisual, ancestralidade e território. A ideia é simples e revolucionária: documentar a história oral das comunidades por meio dos relatos dos próprios moradores, transformando em imagem e som aquilo que antes só ecoava na memória coletiva. Fiquei impactado. E sem perceber, já estava dentro — aceitei o convite para colaborar e, de quebra, conhecer de perto essa tal Escola dos Sonhos.

 

Romério e Valéria no Campus III de Bananeiras. Foto: Sérgio Melo

 

E foi assim que começou minha jornada. Malas prontas, câmeras separadas, filmadora carregada. Às seis da manhã do dia 09 de abril, partimos de Campina Grande rumo ao Sítio Monte Carmelo, na zona rural de Bananeiras. No carro, eu, Romério e Valéria, sua companheira, atravessamos o Brejo entre conversas e contemplações, como quem atravessa o tempo e se prepara para algo maior.

Chegando lá, fomos calorosamente recebidos pelo casal Luciano e Leila Sarmento — esta última, coordenadora da Escola dos Sonhos. A acolhida foi como um abraço apertado de quem já esperava por você há tempos. E talvez fosse isso mesmo: meu lugar me esperava. A Escola dos Sonhos é feita desse tipo de mágica.

 

 

Durante três dias, mergulhei nesse território pedagógico onde Paulo Freire não é apenas citado, mas vivido. “Educar é impregnar de sentido o que fazemos a cada instante”, dizia Freire. E ali, cada instante tinha sentido. Seja no olhar curioso das crianças, na escuta atenta dos educadores, ou no jeito como a escola pulsa junto com as 24 comunidades que dela fazem parte.

A Escola dos Sonhos abriga gratuitamente 234 estudantes de 4 a 14 anos. Esses alunos fazem parte de uma estrutura comunitária baseada em um modelo de gestão cooperativado, onde a própria escola e as famílias constroem, juntas, os caminhos do saber. Isso significa que a manutenção das atividades pedagógicas e do funcionamento cotidiano depende diretamente do apoio de parceiros, voluntários e do espírito coletivo que sustenta o projeto. Nessa perspectiva de cuidado mútuo e responsabilidade compartilhada, em breve será lançada a campanha “Abrace um educando”, com o propósito de garantir a continuidade dessa educação viva, transformadora e gratuita para as crianças do Brejo.

O lugar é vivo, pulsante, coletivo. Seus pátios educativos, abertos ao vento e às ideias, ensinam que aprender também é brincar, plantar, cuidar. O currículo nasce das perguntas das crianças, do que elas querem saber, do que veem e sentem. É uma educação conectada com o chão, com o mato, com os rios da infância. E ao redor desses pátios, os jardins floridos se espalham como páginas de um livro encantado — borboletas de todas as cores dançam ao lado dos beija-flores, enquanto árvores frondosas e fontes com peixes convidam as lavandeiras, aquelas pequenas aves do Brejo, a pousarem em versos silenciosos de liberdade.

 

 

Na quinta-feira, tive a oportunidade de observar duas visitas ilustres que a Escola dos Sonhos recebeu. A primeira foi do prefeito Bira Mariano, da cidade de Camalau, acompanhado por sua equipe da Secretaria de Educação. Eles foram acompanhados pela equipe pedagógica da Escola do Bem Viver, localizada no bairro de Águas Frias, em João Pessoa. Juntos, estavam em missão de escuta e inspiração, buscando compreender de perto a metodologia freiriana que coloca o aluno como protagonista do próprio aprendizado.

Cada grupo tinha suas prioridades bem definidas. A comitiva de Camalaú desejava compreender o modelo pedagógico da Escola dos Sonhos com o objetivo de implementar um projeto similar na rede municipal, especialmente na educação infantil. Já a Escola do Bem Viver veio encantada com as práticas culturais integradas ao cotidiano da escola. Impressionou-se com a autonomia dos estudantes, com a presença da música e dos instrumentos em mãos pequenas e cheias de criatividade, e com o apoio pedagógico de monitores e consultores que fortalecem o protagonismo juvenil.

Na sexta-feira, a escola recebeu mais uma visita especial: o professor Simão Lindoso, coordenador do projeto “Das Cores da Terra”, do Departamento de Biologia da UEPB. O projeto, que trabalha com o uso de tintas naturais feitas com terra, tem como público-alvo crianças, agricultores agroecológicos e idosos da Universidade Aberta à Maturidade. “A tinta de terra é uma ferramenta pedagógica poderosa. É simples de fazer — terra peneirada, água e cola branca — e pode ser aplicada em papel, barro, madeira e até paredes. Além de ecológica, é uma forma de expressão artística”, explicou Simão. Ele agradeceu o convite da Escola dos Sonhos e prometeu voltar em breve para novas oficinas.

 

 

“Pensar Freire na Educação Infantil é compreender que a educação é permanente vida”, diz outra frase que me acompanhou como mantra nesses dias. Na Escola dos Sonhos, o tempo da criança é respeitado. Não há correria para o “conteúdo”, mas sim caminhada ao lado — junto, devagar, com afeto.

A Escola também é referência em práticas sustentáveis. Tem placas solares, hortas agroecológicas e parcerias que vão desde o PRIMA até o Instituto Max Fabiani, passando por UFPB, Instituto Alpargatas, Colégio Motiva e aguarda que o Governo da Paraíba venha também fazer parte dessa construção. É um verdadeiro ecossistema educativo, onde escola, comunidade e meio ambiente caminham de mãos dadas.

Esses dias foram de puro encantamento. Participei de oficinas, rodas de conversa, prometi a professora Gita (que pintaremos novas telas com tintas da terra), e já voltei para casa com a missão de retornar. Mas dessa vez, com mais tempo, mais câmeras e mais desejo de somar.

Voltei pra Campina Grande diferente. Com a alma arejada e o compromisso renovado com a educação que sonha, planta e floresce. Como membro do ECOAMA, me comprometo a caminhar junto com a Escola dos Sonhos. Porque como disse Paulo Freire: “Sonhar é um direito, mas realizar é uma necessidade”.

E na Escola dos Sonhos, os dois se encontram.

 

 

 

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