Como transformar um sítio em espaço educativo: o campo como sala de aula viva

Por Sérgio Melo, para o Paraíba Cultural
Sempre acreditei que a natureza é uma das maiores educadoras. E foi justamente por isso que comecei a enxergar os sítios da zona rural da Paraíba como verdadeiras salas de aula vivas — cheias de histórias, cheiros, saberes e possibilidades de aprendizagem que vão além dos muros das escolas. Mas transformar um sítio em espaço educativo não é tarefa simples, principalmente quando os proprietários rurais não dispõem de orçamento para reformas estruturais. Ainda assim, é possível — e necessário — dar o primeiro passo.
Imagine um dia de aula em que as crianças caminham entre árvores nativas, ouvem histórias contadas por quem nasceu e cresceu na terra, conhecem plantas medicinais, aprendem sobre o solo, o céu, os ciclos da vida e até tocam instrumentos feitos com madeira e barro da região. Isso não é utopia. Isso é educação ambiental, cultural e cidadã na prática. E é viável.
Como preparar um sítio para receber escolas?
A base de tudo é o afeto e a organização. Não é preciso grandes obras ou estruturas luxuosas. Um sítio com áreas limpas, sinalizadas e cuidadas já transmite acolhimento. Espaços de sombra para rodas de conversa, áreas planas para atividades ao ar livre, banheiros funcionais e cozinha simples, mas higienizada, são o suficiente para começar.
No formato que propomos, os alunos são recebidos com lanches saudáveis, água à vontade e um almoço típico da roça — nutritivo e preparado com ingredientes locais. A experiência é conduzida por uma pequena equipe formada por um gestor ambiental, um(a) historiador(a), um(a) músico(a) e, claro, os moradores locais, guardiões do saber tradicional.
O diferencial está no cuidado e no conteúdo: conhecer a história da terra, ouvir lendas contadas pelos avós da comunidade, identificar espécies nativas da Caatinga, experimentar sons e ritmos do Brasil rural. Tudo isso conecta o estudante com o território e com sua própria identidade.
Como viabilizar essa ideia sem recursos próprios?
O primeiro passo é entender que não se está sozinho. Existem editais públicos e privados voltados à educação ambiental, turismo pedagógico e valorização cultural. A Lei de Incentivo à Cultura (Lei Rouanet), o Fundo Nacional do Meio Ambiente (FNMA), programas do Sebrae de turismo rural, e até iniciativas como o Criança Esperança e o Fundo Socioambiental da Caixa podem apoiar financeiramente esse tipo de proposta.
Mas nem só de editais se vive. Empresas locais que buscam investir em ESG (ambiental, social e governança), instituições de ensino privadas, cooperativas, sindicatos rurais e universidades podem ser excelentes parceiros. O segredo é apresentar o sítio como uma solução educativa, sustentável e inovadora. Um espaço que une campo, cultura e cidadania.
É importante contar com alguém que saiba escrever projetos — pode ser um dos técnicos envolvidos — e criar materiais simples: um portfólio, fotos do local, um vídeo de apresentação, uma proposta pedagógica. Esses elementos ajudam a construir confiança junto a parceiros.
Como conquistar escolas e empresários?
A estratégia é baseada em três pilares: confiança, qualidade e diálogo constante.
- Escolas privadas e públicas precisam entender que a vivência no campo é extensão do aprendizado curricular. Visitas presenciais dos professores ao sítio ajudam muito. Proponha uma visita técnica gratuita para coordenadores pedagógicos e gestores escolares.
- Empresários locais, especialmente aqueles que atuam com alimentação, transporte, educação ou turismo, podem se tornar apoiadores. Um bom argumento é o retorno de imagem social e a presença de suas marcas nos materiais de divulgação.
- Poder público e secretarias de educação podem ser aliados fundamentais. Convênios com prefeituras, sobretudo em cidades próximas ao sítio, são viáveis e garantem fluxo constante de estudantes da rede pública. É importante incluir propostas no calendário anual das secretarias.
- Redes sociais e imprensa local são aliadas para mostrar os impactos positivos da iniciativa. É preciso comunicar sempre!

Exemplos que dão certo no Brasil
Temos bons exemplos espalhados pelo país. O Sítio Escola Portão Grande, em Santa Catarina, é referência em educação ambiental com foco agroecológico. Já em Pernambuco, o projeto Trilhas do Saber, em parceria com escolas da zona da mata, leva estudantes para vivências em engenhos e propriedades agroflorestais.
Aqui mesmo, na região de Lagoa Seca, temos sítios que já recebem pequenos grupos para atividades educativas — de forma informal, mas com grande potência. O que falta é sistematizar essas ações, torná-las contínuas e sustentáveis.
Um recado aos proprietários de sítios e às escolas privadas
O mundo rural é um universo de sabedorias. Mas só se conecta com as novas gerações se formos pontes. Sítios e escolas precisam se comunicar, construir confiança e criar agendas conjuntas. Os alunos precisam sentir o cheiro da terra molhada, aprender com quem planta, cuidar e respeitar o mundo natural com os pés no chão e os olhos brilhando.
Não é preciso ter tudo pronto. É preciso começar. E o começo pode ser uma boa conversa, um café, uma roda de ideias. Se o sítio oferece o espaço, e a escola deseja expandir seus horizontes, o resto se constrói com propósito, parcerias e afeto.
Por Sérgio Melo — Jornalista, gestor de comunicação ambiental e coordenador de projetos de educação e cultura no campo. Diretor do estúdio Q-Ideia e criador do portal Paraíba Cultural. Atua com iniciativas de sustentabilidade, cultura e educação ambiental na Paraíba.