Como está a Mata Atlântica na Paraíba?

Por Sérgio Melo
A Mata Atlântica segue em alerta no Brasil e na Paraíba. De acordo com o Atlas dos Remanescentes Florestais (SOS Mata Atlântica/INPE), o bioma perdeu 14.366 hectares entre 2023 e 2024 — leve queda em relação a 2022–2023 (14.697 ha), mas ainda longe do desmatamento zero. Somando apenas os quatro últimos ciclos anuais (2020–2024), foram 70.780 ha desmatados no bioma.
Na Paraíba, a cobertura de Mata Atlântica restante é de cerca de 9% do território estadual (concentrada sobretudo no litoral e brejos). Em 2021–2022, o estado registrou 34 hectares de desflorestamento mapeado pelo Atlas.
Além do Atlas, o MapBiomas confirma uma tendência recente de redução de alertas de desmatamento em 2024 no país e indica que a Paraíba esteve entre as maiores reduções proporcionais (–44% nos alertas, segundo o governo estadual ao citar o RAD 2024).
O que perdemos nos últimos 20 anos
Os dados anuais do Atlas mostram oscilações, mas a perda persiste há duas décadas. Entre 2016 e 2024, por exemplo, nenhum ano registrou desmatamento zero; o bioma variou de 11 a 22 mil hectares/ano, com picos em 2020–2021 (21.642 ha) e 20.075 ha em 2021–2022. Em 2023–2024, apesar da queda de 2% frente a 2022–2023, ainda foram 14.366 ha. O impacto climático é imediato: emissões estimadas em 6,87 milhões de tCO₂e só em 2024.
Para a Paraíba, a série histórica indica volumes absolutos menores que os grandes focos nacionais, mas ainda relevantes localmente, sobretudo em áreas periurbanas e de expansão imobiliária, onde pequenos polígonos (acima de 3 ha, recorte do Atlas) somam perdas significativas ao longo dos anos. Em 2021–2022, por exemplo, o estado saiu de 21 ha (2020–2021) para 34 ha.
João Pessoa e cidades vizinhas: onde e como o desmate ocorre
A capital João Pessoa aparece entre os municípios com registros de supressão nos levantamentos recentes. A imprensa local e procedimentos do Ministério Público documentaram desmatamentos e deposição irregular de entulhos em trechos da Mata do Buraquinho (Jardim Botânico Benjamim Maranhão), o maior remanescente urbano de Mata Atlântica do país. Também há relatos de licenças e obras pressionando áreas verdes na capital.
No entorno metropolitano, operações estaduais e nacionais contra o desmatamento ilegal — como a Operação Mata Atlântica em Pé — flagraram supressões em municípios da faixa litorânea e do Brejo (ex.: Mulungu, Pilar e Pilões em 2025). Em Conde (PB), lideranças indígenas Tabajara denunciaram desmatamentos dentro da APA de Tambaba ligados à especulação imobiliária. Esses casos ilustram como a pressão urbana/turística e a fragmentação têm contribuído para a perda do bioma na Grande João Pessoa e adjacências.
Importante: apontar responsabilidades exige base documental. Os dados oficiais (Atlas/MapBiomas/relatórios de operações) indicam ocorrência e localização dos desmates; a nexo causal com decisões específicas de prefeituras (planos diretores, licenças, obras) deve ser analisado caso a caso em autos, pareceres e cadastros de licenciamento. Ainda assim, a literatura e os inquéritos citados mostram que expansão urbana e empreendimentos seguem vetores ativos da supressão na região metropolitana.
Qual é o marco legal que protege a Mata Atlântica
- Lei da Mata Atlântica (Lei 11.428/2006) e Decreto 6.660/2008: regulam uso, supressão e recuperação da vegetação nativa do bioma, estabelecendo regras mais rígidas para florestas maduras e estágios sucessionais.
- Código Florestal (Lei 12.651/2012): define APPs (margens de rios, nascentes, encostas, manguezais, restingas etc.) e Reserva Legal nas propriedades rurais — instrumentos essenciais também em territórios de Mata Atlântica.
- SNUC (Lei 9.985/2000): base para criar/ampliar Unidades de Conservação (municipais, estaduais e federais), como parques, APAs, RPPNs e reservas.
- PMMA (Plano Municipal de Conservação e Recuperação da Mata Atlântica): instrumento que identifica áreas prioritárias, metas e governança local; deve ser elaborado pela prefeitura e aprovado no Conselho Municipal de Meio Ambiente com participação social. João Pessoa possui PMMA publicado.
O que municípios e o Governo do Estado podem fazer — já
- Atualizar e cumprir o PMMA, integrando-o ao Plano Diretor, licenciamento e fiscalização (metas anuais, georreferenciamento e orçamento).
- Criar/ampliar um mosaico de UCs (SNUC) conectando Mata do Buraquinho a fragmentos costeiros e de brejo via corredores ecológicos; instituir Zonas de Amortecimento com regras claras.
- Aperto no licenciamento: condicionantes robustas para empreendimentos em área de influência da Mata Atlântica; priorizar evitar desmate (mitigação hierárquica), depois minimizar e, por último, compensar com restauração nativa local.
- Fiscalização inteligente: usar MapBiomas Alerta/RAD e o Atlas para monitorar polígonos em tempo quase real e agir com Ibama, Sudema e MPs em operações permanentes.
- Restauração em escala: metas plurianuais com viveiros regionais, priorizando APPs, nascentes, manguezais e restingas e conectividade entre fragmentos.
- Compras públicas e PSA: contratos de manutenção de áreas restauradas, Pagamento por Serviços Ambientais e fomento a RPPNs (reservas privadas) para ampliar proteção fora de UCs públicas.
Como a sociedade civil pode (e deve) participar
- Conselhos de meio ambiente e conselhos de UCs: acompanhe PMMA, licenças e relatórios de monitoramento.
- Denúncias qualificadas: use guias da SOS Mata Atlântica para registrar infrações com fotos, coordenadas e protocolo; acione Ibama, Sudema, MPPB e prefeituras.
- Ciência cidadã: apoiar inventários de fauna/flora, mutirões de restauração e vigilância comunitária em áreas sensíveis (ex.: bordas da Mata do Buraquinho, manguezais e restingas).
- Apoio às operações: divulgar resultados e pressionar por continuidade de ações como a Mata Atlântica em Pé, que só em 2024 identificou 19,5 mil hectares ilegais nos 17 estados do bioma.
Porque preservar agora
A Mata Atlântica paraibana não é resíduo do passado; é infraestrutura de vida presente: água, clima, proteção costeira, polinização, paisagem e identidade cultural. A Paraíba tem menos de 10% desse bioma — e cada hectare perdido custa caro à biodiversidade e às cidades. Com PMMAs vivos, licenciamento responsável, mosaico de UCs, restauração nativa e sociedade vigilante, é possível frear a perda e reconectar nossos fragmentos — da Mata do Buraquinho aos brejos e mangues do litoral sul.
Preservar a nossa Mata Atlântica é proteger a vida e o futuro da Paraíba.
🌿 Caminhos para preservar a Mata Atlântica Paraibana
1. Conheça as leis que protegem:
• Lei nº 11.428/2006 – Lei da Mata Atlântica
• Lei nº 12.651/2012 – Código Florestal Brasileiro
• Lei nº 9.985/2000 – SNUC: Sistema Nacional de Unidades de Conservação
2. Denuncie o desmatamento ilegal:
📞 Ouvidoria IBAMA
⚖️ Ministério Público da Paraíba
💻 MapBiomas Alerta
3. Participe ativamente:
• Engaje-se nos Conselhos Municipais de Meio Ambiente.
• Apoie projetos de Educação Ambiental e mutirões de restauração.
• Acompanhe e cobre a execução dos Planos Municipais da Mata Atlântica (PMMA).
4. Indicadores e monitoramento:
• Atlas dos Remanescentes Florestais – SOS Mata Atlântica/INPE
• MapBiomas RAD – Rede de Alerta de Desmatamento
• Ministério do Meio Ambiente
5. Financiamento e incentivo:
• Fundo Nacional do Meio Ambiente (FNMA)
• BNDES Florestal
• Plataforma ESG Brasil
Design editorial: Portal Paraíba Cultural
Cultura que transforma, histórias que encantam.
Sérgio Melo
Jornalista e Gestor Ambiental. Coordenador de projetos de Educação Ambiental no portal Paraíba Cultural e no Q-Ideia – Design e Comunicação. Atua em ações integradas de sustentabilidade, cultura e desenvolvimento territorial no Estado da Paraíba.
Fontes principais: Atlas dos Remanescentes Florestais da Mata Atlântica (SOS Mata Atlântica/INPE); MapBiomas RAD; Lei da Mata Atlântica (Lei 11.428/2006) e Decreto 6.660/2008; Código Florestal (Lei 12.651/2012); SNUC (Lei 9.985/2000); PMMA de João Pessoa.
