Do litoral ao sertão: a força viva da cultura popular paraibana

Foto: Sérgio Melo
Por Sérgio Melo
A alma do povo paraibano pulsa em ritmo de tambor, pife e dança
Do litoral ao sertão, a Paraíba revela em cada canto uma identidade moldada pela força das tradições. Seja no som contagiante do coco de roda, no sopro mágico das bandas de pífano, no batuque vibrante do maracatu, ou nas festas populares que celebram o sagrado e o profano, a cultura popular paraibana permanece viva, reinventando-se sem perder a essência.
Essas manifestações são mais do que entretenimento: são expressões de resistência, memória e pertencimento. Carregam em si as marcas da ancestralidade africana, indígena e europeia, que juntas formam a riqueza simbólica do Nordeste. Como dizia o historiador paraibano José Octávio de Arruda Mello, “a Paraíba é uma síntese de culturas que dialogam com o tempo, mas nunca perdem o chão da tradição”.

Coco de roda: o batuque que ecoa desde os engenhos
Originário dos terreiros e das beiras de canaviais, o coco de roda é uma das mais antigas expressões da cultura popular nordestina. Na Paraíba, ele ganha força em cidades como Itabaiana, Alagoa Grande e João Pessoa, onde grupos tradicionais como o Coco de Roda Novo Quilombo mantêm viva a tradição com versos improvisados e passos marcados pelo compasso do tambor.
“Bate o pé no chão, gira o corpo e canta: o coco é a fala do povo livre”, dizia Jackson do Pandeiro, filho de Alagoa Grande, que levou o ritmo do coco para o rádio e os palcos do Brasil, transformando o batuque ancestral em símbolo nacional.

O som encantado do pífano e o legado das bandas rurais
No agreste e no sertão, o som do pífano (ou pífaro) ecoa como um chamado do tempo. As bandas de pífano surgiram das festas religiosas e dos cortejos rurais, acompanhando romarias e celebrações como as de Padre Ibiapina e Frei Damião.
Em cidades como Cuité, Patos e São João do Cariri, mestres e aprendizes continuam fabricando os instrumentos de bambu e tocando com devoção. “O som do pífano é como o vento da caatinga: livre, forte e resistente”, disse certa vez o mestre Zé do Pife, símbolo maior dessa tradição.
Maracatu e o sincretismo das cores e dos tambores
No litoral paraibano, o maracatu expressa o encontro entre fé, dança e resistência. Inspirado nas coroações dos reis do Congo e nas irmandades negras, o maracatu encontrou em João Pessoa e Bayeux grupos que mantêm viva a tradição com batuques, estandartes e o colorido das alfaias.
Entre os mais conhecidos está o Maracatu Pé de Elefante, que há décadas leva o ritmo das alfaias e o cortejo dos orixás às ruas do Carnaval. “Cada batida é um chamado ancestral. Quando o tambor fala, a gente se reconhece”, afirma Mestra Lúcia do Maracatu, guardiã da tradição afro-paraibana.
Educação e identidade: a cultura como sala de aula
A cultura popular é também instrumento de educação e construção da cidadania. Nas escolas e comunidades, projetos que valorizam o coco, o maracatu e o pífano ajudam crianças e jovens a compreenderem sua história e seu território.
Essas expressões são pontes entre o passado e o futuro. Elas ensinam sobre solidariedade, coletividade, respeito às diferenças e pertencimento cultural. É o que acontece, por exemplo, nas escolas rurais de Bananeiras e nas comunidades quilombolas de Alagoa Grande, onde mestres populares ensinam ritmos, versos e danças como parte da formação humana.
A tradição que se reinventa
Mesmo em meio às transformações da modernidade, a cultura popular paraibana segue se renovando. Jovens músicos, cineastas, dançarinos e artistas visuais incorporam elementos do coco, do maracatu e do pífano em novas linguagens, levando essas manifestações para festivais, vídeos e plataformas digitais — sem perder o vínculo com suas raízes.
Como disse o poeta Ariano Suassuna, “o povo nordestino tem uma arte que não morre, porque é feita de fé e alegria”.
Na Paraíba, essa arte continua a florescer — nas praças, nas feiras, nas escolas e nos terreiros —, reafirmando que a cultura é o coração que pulsa entre o litoral e o sertão.
Sérgio Melo – Jornalista e Gestor Ambiental. Coordenador de projetos de Educação Ambiental no portal Paraíba Cultural e no Q-Ideia – Design e Comunicação. Atua em ações integradas de sustentabilidade, cultura e desenvolvimento territorial no Estado da Paraíba.
