Reunião com o MinC não acalmou o setor do audiovisual: Produtores temem enfraquecimento do Projeto de Lei (PL) do streaming

 Reunião com o MinC não acalmou o setor do audiovisual: Produtores temem enfraquecimento do Projeto de Lei (PL) do streaming

Cena do filme “Sol Alegria”, do diretor paraibano Tavinho Teixeira: mistura de crítica política, liberdade estética e humor ácido, com forte presença de elementos tropicais e personagens subversivos. O longa é um dos destaques do cinema independente nacional.

Por Sérgio Melo | Paraíba Cultural

 

Na última semana, participei de uma roda de conversas online entre produtores, cineastas e trabalhadores da cadeia audiovisual sobre a recente reunião entre representantes do setor e o Ministério da Cultura (MinC). O encontro, que pretendia esclarecer dúvidas e reafirmar compromissos em relação ao Projeto de Lei do Streaming (PL 8889/2017), acabou provocando ainda mais incertezas. E não foi por acaso.

O setor do audiovisual brasileiro vive hoje um de seus momentos mais férteis e, ao mesmo tempo, mais desafiadores. Em meio a tantas conquistas artísticas e avanços técnicos, paira a preocupação de que o MinC esteja cedendo a pressões de gigantes estrangeiras — plataformas globais que dominam o mercado de streaming, lucram bilhões no Brasil e, até hoje, não contribuem de forma justa com a nossa cadeia produtiva.

Não se trata de ideologia, nem de guerra política. O que está em jogo é um direito: o de desenvolver um ecossistema audiovisual sustentável, que permita a milhares de profissionais atuarem com dignidade em todas as regiões do país. A crítica recorrente é clara: por que as produtoras brasileiras, que já enfrentam tanta burocracia e falta de incentivo, continuam arcando com tributos e obrigações, enquanto empresas multinacionais operam livremente sem reverter quase nada para a base cultural que exploram?

 

Ilustração representa a busca pelo equilíbrio entre as gigantes do streaming e a produção audiovisual brasileira: o PL 8889/2017 busca equilibrar essa balança, garantindo que plataformas como Netflix, HBO e Amazon Prime contribuam para o desenvolvimento do setor nacional, assim como já ocorre em diversos países.

 

O que o PL do streaming propõe

O PL 8889/2017 busca corrigir essa distorção ao estabelecer uma Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional (Condecine) também sobre os serviços de vídeo sob demanda, ou seja, o streaming. Isso é o que já ocorre, há anos, em países como França, Canadá, Coreia do Sul, Argentina, e mesmo na Colômbia, onde plataformas como Netflix e Amazon Prime são obrigadas a reinvestir parte de suas receitas em produções locais.

Esse modelo não só garante arrecadação justa, como cria empregos, promove diversidade cultural e fortalece a soberania audiovisual. Na França, por exemplo, estima-se que cerca de 25% do catálogo da Netflix já seja composto por obras nacionais, fruto de políticas públicas que exigem reinvestimento e cota de tela. Por que no Brasil seria diferente?

 

Audiovisual brasileiro em expansão

O que talvez o MinC ainda não compreenda plenamente é o quão maduro e potente se tornou o audiovisual nacional. O Brasil venceu o Festival de Cannes em 2022 com o curta “Aos domingos” e vem emplacando produções em festivais como Sundance, Berlinale, Locarno e tantos outros. E, olhando mais de perto, também na Paraíba temos muito o que mostrar.

Campina Grande, João Pessoa, Sousa, Itabaiana e outras cidades do estado têm revelado talentos e obras com potência de exportação. Cito aqui o longa “Sol Alegria”, do cineasta Tavinho Teixeira; o documentário “Sementes do Saber”, da produtora Cavídeo em parceria com artistas locais; os premiados curtas de Taciano Valério, e as séries e clipes produzidos por jovens da periferia de Bayeux, Santa Rita e CG que circulam pelo Brasil e pelo mundo.

Além disso, iniciativas como o Festival Comunicurtas, o Encontro Paraibano de Audiovisual, e cursos promovidos por universidades e coletivos culturais têm formado roteiristas, diretores, montadores e diretores de fotografia que estão prontos para assumir protagonismo. O que falta é investimento e, sobretudo, uma política justa de mercado.

 

Mais que arrecadar: é sobre corrigir desigualdades

A resistência de algumas entidades ao PL do streaming pode ser lida como natural: nenhuma empresa quer renunciar a lucro fácil. Mas é justamente aí que o governo precisa demonstrar compromisso com o desenvolvimento cultural do país. Não se trata apenas de cobrar imposto — trata-se de exigir que as gigantes globais respeitem as mesmas regras do jogo que os pequenos produtores brasileiros já seguem.

É inadmissível que um canal independente de Campina Grande ou uma produtora de Aracaju seja cobrada e fiscalizada, enquanto conglomerados bilionários navegam impunes pelas nuvens digitais.

O PL é necessário para estruturar políticas públicas que vão desde editais regionais até fundos de inovação, passando por parcerias internacionais e ampliação de acesso ao público. Ele pode, inclusive, ajudar na descentralização do setor, levando produções para além do eixo Rio-São Paulo e fortalecendo a economia criativa de estados como a Paraíba.

 

Hora de profissionalizar e expandir

A Paraíba tem talento, criatividade e vontade. Falta apoio institucional à altura. Com a regulamentação adequada, teremos condições de criar núcleos de formação técnica, estúdios de pós-produção, incubadoras de projetos, plataformas independentes e uma série de outras frentes capazes de transformar o audiovisual em vetor de desenvolvimento econômico e identidade cultural.

Não podemos perder essa oportunidade. O momento é agora.

 

 

Sérgio Melo
Jornalista e gestor ambiental. Diretor de criação da Q‑Ideia – Design e Comunicação. Atua na produção e cobertura de projetos culturais e audiovisuais na Paraíba desde 2008. Coordenador do portal Paraíba Cultural.

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