A crise climática em foco: Impactos e desafios no Rio Grande do Sul e além
A mudança climática induzida pela ação humana está causando uma disrupção perigosa e generalizada na natureza, afetando a vida de bilhões de pessoas ao redor do mundo, apesar dos esforços para reduzir os riscos. Essa é uma das principais mensagens da segunda parte do estudo “Mudança Climática 2022: Impactos, Adaptação e Vulnerabilidade”, divulgado recentemente pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC). No segundo semestre de 2021, o grupo publicou a primeira parte do relatório que reconhece que as indústrias e o desmatamento têm efeitos diretos no aquecimento do planeta.
Além de afirmar que aproximadamente 3,3 a 3,6 bilhões de pessoas vivem em contextos muito vulneráveis às alterações do clima, a nova publicação pontua que ações rápidas e ambiciosas são necessárias para evitar grande perda de vida, biodiversidade e infraestrutura, promovendo adaptações e reduzindo a emissão de gases.
No Brasil, a crise climática tem se manifestado de forma aguda. Recentemente, pudemos acompanhar de perto as inundações e deslizamentos ocasionados pelo alto volume de precipitações que atingiu as regiões da Bahia e do Rio de Janeiro, resultando em vítimas fatais e milhares de desabrigados. No entanto, um dos estados que tem enfrentado severas consequências climáticas é o Rio Grande do Sul, onde extremos de seca e enchentes têm devastado comunidades, afetando tanto a economia quanto a qualidade de vida dos moradores.
O impacto no Rio Grande do Sul
No Rio Grande do Sul, a crise climática está se manifestando através de eventos extremos que se alternam entre secas prolongadas e enchentes devastadoras. A agricultura, que é uma das principais atividades econômicas do estado, tem sido duramente afetada. A seca severa comprometeu safras inteiras, enquanto enchentes subsequentes destruíram plantações e propriedades. Esses eventos não apenas afetam a segurança alimentar, mas também agravam a crise econômica e social, já que muitas famílias dependem da agricultura para sua subsistência.
Segundo Américo Sampaio, coordenador do Portfólio de Comunicação e Engajamento no Instituto Clima e Sociedade (iCS), tempo e orçamento são os dois principais desafios ao falar sobre planejamento urbano e adaptação das cidades às mudanças climáticas. “As cidades devem executar políticas de planejamento urbano e adaptação às mudanças do clima ao mesmo tempo que sofrem concretamente seus impactos e veem a ocorrência de desastres”, explica Américo.
O cuidado com o meio ambiente e os ODS
O cuidado com o meio ambiente está representado em diversos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), como o 13, que preza pela ação contra a mudança global do clima, e também o 11, que visa cidades mais inclusivas, seguras, sustentáveis e resilientes a desastres ou a eventos incomuns. No entanto, a crise econômica que o Brasil enfrenta é um agravante. Desemprego, perda de renda e inflação elevada contribuem para o cenário de endividamento dos municípios, o que impede a realização de empréstimos ou o recebimento de repasses do governo federal.
Desigualdades e a crise climática
A recente catástrofe de Petrópolis (RJ) e as chuvas na Bahia provam que os eventos climáticos estão interconectados a questões como o aumento das desigualdades. Para Américo, mais do que conectadas, são questões que se retroalimentam. O aprofundamento das desigualdades fragiliza as políticas ambientais e climáticas, prejudicando a capacidade das cidades e do país como um todo de combater as mudanças do clima. O agravamento da crise climática também piora as desigualdades, com mais efeitos nas populações em maior situação de vulnerabilidade.
“A questão da mudança climática somada à ampliação do desmatamento na Amazônia altera o regime de chuvas”, explica Américo. “Chove menos nas regiões Sudeste e Centro-Oeste, ocasionando um abastecimento mais precário das reservas hídricas; sistema de energia hidrelétrica sobrecarregado para geração de energia; ativação de usinas térmicas, com preço mais elevado, que é repassado ao consumidor; aumento da inflação do país, prejudicando em maior grau a fatia pobre da população.”
Desafios e oportunidades para o ISP
40% dos respondentes do Censo GIFE 2020 afirmam desenvolver iniciativas relacionadas a ambiente urbano e sustentabilidade. Esse índice não é maior, de acordo com Américo, por uma conjunção de fatores. Além do perfil do investimento social privado brasileiro – que, apesar de estar mudando gradualmente, é historicamente mais assistencialista – envolve o fato de planejamento urbano e sustentabilidade serem temas ‘guarda-chuva’, como cita o coordenador.
A gestão municipal, e consequentemente as proporções do território brasileiro, também são questões que dificultam a atuação na temática ambiental. Um único investidor não consegue resolver todos os desafios dos 5.570 municípios. Ao mesmo tempo, escolher em qual região investir pode gerar dilemas: ao passo que regiões metropolitanas têm mais estrutura, as cidades do interior enfrentam questões básicas de gestão e infraestrutura.
“Acredito que o investimento social privado ainda não encontrou seu lugar nessa agenda de sustentabilidade no ambiente urbano, e por isso, não se arrisca tanto”, explica Américo. Em ano eleitoral, o coordenador aponta como indispensável que, independentemente do cargo, os candidatos atentem-se à questão climática, a provisão de orçamentos para que municípios consigam colocar medidas de mitigação em prática e a conservação da Amazônia.
Enquanto o IPCC nos alerta sobre a necessidade de ações rápidas e ambiciosas para combater as mudanças climáticas, o Rio Grande do Sul nos lembra da urgência dessas medidas. A combinação de secas e enchentes no estado é um microcosmo das crises que podem se tornar cada vez mais comuns se não agirmos agora. A adaptação, mitigação e o investimento social privado são peças-chave para enfrentarmos esses desafios e garantirmos um futuro mais seguro e sustentável para todos.