A (in)sustentabilidade começa no município

 A (in)sustentabilidade começa no município

Município de Campina Grande, Paraíba | Foto:

*Por Edson Luiz Peters

 

Se a Constituição de 1988 consagrou o Município como ente celular da Federação brasileira, com autonomia política e administrativa e uma série de competências, por um lado, de outra banda, ao desenhar o sistema tributário e estabelecer fontes de recursos e fundos, não garantiu arrecadação suficiente para o sustento da máquina administrativa, investimentos e prestação dos inúmeros serviços públicos de caráter local. Esse aumento de demandas e gastos municipais, aliado à insuficiência arrecadatória, gerou o que se chama crise federativa ou crise do Pacto Federativo, que parece não ter fim.

Alguns juristas enxergam na Constituição de 1988 um Estado de Direito Ambiental, fundado num modelo econômico e social sustentável, garantidor do direito ao equilíbrio ambiental essencial à sadia qualidade de vida, mas não percebem a fragilidade orçamentária e fiscal do ente federativo encarregado de prestar os serviços públicos que mais impactam na sustentabilidade (saneamento básico, gestão de resíduos, educação fundamental, regularização fundiária e serviços de saúde, além de tantos outros).

As políticas públicas formuladas pela União nas últimas décadas, como desdobramentos da macro Política Nacional de Meio Ambiente – PNMA – e das diretrizes constitucionais, desaguam, quase sempre, nas costas dos municípios, que sufocados por essas ondas de direitos se veem em estado de mendicância perante o Estado e a União, agravada essa crise, não poucas vezes, pela improbidade e má gestão administrativa, quando não também pela sangria da corrupção.

O novo Marco Legal do saneamento básico confirma e consagra o dever municipal com esses serviços ambientais essenciais. A velha cultura de criação de municípios com base tão só na vontade política de algumas lideranças locais e regionais e na ganancia de poder de parlamentares que usaram dessa prática para criar estruturas cartoriais e acomodar correligionários nas novas estruturas e cargos decorrentes da implantação desses novos municípios, desprezou qualquer estudo de viabilidade econômico-financeira das novas urbes.

Em síntese, os municípios se debatem com o aumento da demanda por serviços públicos e a insuficiência de arrecadação própria para atender os gastos crescentes. A Constituição de 1988 determinou aplicação compulsória de 25% de tudo que arrecada o Município na área de educação e não menos de 15% na saúde pública. A elaboração e implantação das chamadas Políticas Públicas é imposta inclusive pelo Poder Judiciário, diante da inércia dos demais poderes.

A Lei de Responsabilidade Fiscal e a transparência exigem da administração pública controle cada vez mais rigoroso dos gastos públicos, e nem poderia ser diferente, pois são recursos sagrados vindos da sociedade e das empresas privadas, que por sua vez reclamam da alta carga tributária. Nos últimos meses se soma a tudo isso a dupla crise gerada pela pandemia do corona vírus: na saúde pública e na economia popular.

Diante da insustentabilidade de muitos municípios do Brasil, tem surgido nos últimos tempos diferentes e contraditórias correntes de pensamento: por um lado a ideia de extinguir municípios que não se sustentam nas próprias pernas (mal arrecadam para custear a máquina da prefeitura) e, no outro extremo, a ideia quase utópica contida na Meta 11 da Agenda 2034 da ONU: tornar as cidades e os assentamentos humanos inclusivos, seguros, resilientes e sustentáveis.

Assim aumentou o drama dos pequenos municípios brasileiros que tem de provar sua sustentabilidade financeira, sem deixar de perseguir a sustentabilidade socioambiental, cuidando, no mínimo, do saneamento básico em seus 4 eixos: água tratada, esgoto coletado e tratado, resíduos sólidos domésticos (lixo) coletado e corretamente destinado e a drenagem urbana implantada.

Ademais sobram órgãos para fiscalizar (além das Câmara de Vereadores, vem o Ministério Público e o Tribunal de Contas e ainda os adversários e associações) e faltam entidades para apoiar tecnicamente, financiar e investir em novas estruturas e equipamentos urbanos. Não obstante, e por mais incrível que pareça, não faltam candidatos para os cargos de prefeito e vereadores, que investem em campanhas milionárias e buscam apoio eleitoral e financeiro para garantir a eleição.

São as contradições do nosso Brasil.

 

 

*Edson Luiz Peters é advogado e consultor na AmbienteJuris Soluções Ambientais, ex-promotor de Justiça de Meio Ambiente, professor de Direito Ambiental, autor de diversas obras jurídicas, Mestre e Doutor pela Universidade Federal do Paraná (UFPR).

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