Com série ‘Águas do Xingu’, brasileiro disputa prêmio Imagem da Paz 2022 em concurso da Unesco
Ricardo Teles compara preservação do Xingu com a situação da Amazônia, e lamenta mortes de Bruno Ferreira e Dom Philips
Londres – Premiado no Sony Awards deste ano, o fotógrafo brasileiro Ricardo Teles volta a se destacar em um concurso internacional, desta vez retratando a relação dos povos indígenas do Xingu com a água.
Teles é um dos finalistas do Global Peace Photo Awards com a série Águas do Xingu, que ele descreve como “uma forma de mostrar que as coisas mais simples são as que realmente importam”.
O concurso tem a Unesco como uma das organizadoras, e recebeu este ano inscrições de 115 países. Os finalistas concorrem ao prêmio Foto da Paz do ano em duas categorias, para adultos e crianças.
Fotógrafo brasileiro premiado no Sony Photo Awards
Gaúcho vivendo em São Paulo, Ricardo Teles é fotógrafo profissional e já recebeu vários prêmios internacionais.
O mais recente deles foi o Sony Photo Awards na categoria Esportes, com uma reportagem fotográfica sobre as competições que fazem parte do ritual Quarup, uma homenagem aos mortos formada por diversas cerimônias.
Teles esteve pela primeira vez no Xingu em 2016 para retratar um grupo de médicos que realizavam atendimento para a população local e conheceu as lideranças indígenas.
Uma delas, o cacique Kotok, da comunidade Kamayura do Alto Xingu, o convidou para a celebração do Quarup, que naquele ano homenageava o pai dele, Tukumán Kamayurá, um símbolo do Xingu. Desde então ele manteve contato com os amigos que deixou por lá, principalmente os jovens, ativos nas redes sociais.
O Parque Nacional do Xingu é reconhecido como um modelo de preservação ambiental e da cultura dos povos indígenas. Foi criado em 1961 durante o governo Jânio Quadros e contou com a dedicação de grandes nomes como os irmãos Villas Boas, Darcy Ribeiro, além de gerações de lideranças indígenas dos povos que habitam aquele território.
Uma situação oposta à da Amazônia, onde o meio ambiente é devastado e os índios sofrem ameaças denunciadas por ambientalistas e jornalistas como Bruno Ferreira e Dom Philips, assassinados no Vale do Javari em junho.
” O Vale do Javari, apesar de sua enorme importância natural e cultural, é um território desprotegido, onde a ausência e a indiferença do estado brasileiro fazem com que todo tipo de oportunista entenda que o crime compensa”, afirma Ricardo Teles.
Para ele, o brutal assassinato de Dom e Bruno representa uma síntese da política do atual governo em relação à questão indígena e à imprensa, tratados como inimigos por se colocarem em defesa da floresta e dos povos originários.
“Eles nos deixam um legado importante assim como tantos outros que caíram nessa guerra insana em defesa da Amazônia como Chico Mendes e Dorothy Stang. A dedicação deles por manter a floresta em pé vai além do compromisso profissional e diz respeito a compreensão que de fato está em jogo é a luta entre a ganância e a vida”.
A situação é oposta no Xingu, como relata o fotógrafo.
“A primeira impressão no Xingu é marcante. Um idioma estranho, pessoas nuas exibindo com a maior naturalidade suas pinturas corporais exuberantes. Impressiona a maneira como mantiveram sua cultura e modo de vida tão preservados, principalmente para quem conhece a história e os destinos dos povos indígenas no Brasil.”
“A partir da convivência a gente começa a perceber que as relações humanas são mais harmônicas. As crianças nunca são repreendidas, mas orientadas. E têm uma infância muito feliz. O mundo real, o natural e o mágico se misturam, estabelecendo um equilíbrio entre homem e natureza.”
“À medida que a luz amanhece no Xingu, há uma névoa sob a água de seus lagos e rios que dilui o movimento de figuras em um vai e vir ao longo das praias que durarão o dia todo, até o pôr do sol.”
“Chamo essa série sobre a relação da população do Xingu com suas águas de Ÿ, a forma ortográfica da palavra água em tupi-guarani, o idioma de parte das comunidades do Xingu. A fonética se assemelha à da palavra eau em francês, que significa água também.”
Teles conta que a relação das pessoas do lugar com as águas impressiona os forasteiros.
“Grupos de mulheres carregam as crianças menores para várias sessões de banhos, iniciando-os desde pequenos nas “artes de serem peixes”.
É o jardim de infância das crianças, que brincam ao longo do dia dentro d’água.”
Treinos de futebol acontecem na praia. Jovens e velhos banham-se ao longo do dia e é sempre um momento propício para encontros e a troca de ideias. Ao cair da tarde, barcos de pescadores saem em busca do alimento.
“Os povos do Xingu poderiam ser a prova de que as coisas mais simples são as que realmente importam. A vida em comunidade, o respeito mutuo e a relação saudável com o mundo que se traduz numa espiritualidade ligada aos fenômenos reais e invisíveis da natureza.”
“Caetano Veloso trazia na canção “Um Índio” uma reflexão que não poderia ser mais atual nos dias de hoje: Quando já não houver mais o espírito dos pássaros e as fontes de águas limpas, um índio descerá de uma estrela colorida e brilhante para revelar aos povos, não o exótico, mas o fato de ter estado sempre oculto o que teria sido o óbvio…”