O Tolkien Brasileiro

 O Tolkien Brasileiro

Todo mundo que assistiu às trilogias cinematográficas ‘O Senhor dos Anéis’ ou ‘O Hobit’ tiveram a surpresa de ver um mundo ficcional incrivelmente detalhado, contando, inclusive, com idiomas próprios. Tolkien, o autor britânico dos livros que geraram os filmes, se preocupou, como ninguém antes, a criar um grau tal de realidade em seu universo ficcional que criou 12 línguas com pelo menos algum tipo de indicação de estrutura. Destas, duas foram ainda mais desenvolvidas, o Quenya e o Sindarin, que de tão completas pode-se até falar ou escrever nelas.

Pois um autor brasileiro se dispôs a seguir os passos do mestre britânico, e criou várias línguas para seu mundo ficcional. Flavio Cimonari, que assim como era Tolkien, é poliglota (fala e escreve em português, inglês, espanhol, italiano, esperanto, e ainda tem conhecimentos básicos de árabe, alemão, francês e catalão), desenvolveu 12 idiomas, seis alfabetos diferentes, e toda uma etimologia mostrando seu desenvolvimento a partir de duas línguas antigas, ao longo de 3.500 anos de história em seu mundo ficcional chamado Moa, palco da sua recém-lançada franquia de cultura pop brasileira CID World.

Lançado oficialmente em janeiro de 2021, CID World é uma proposta de franquia cultural 100% brasileira. Em seu canal oficial no Youtube já é possível assistir a curtas-metragens feitos por artistas brasileiros, em sua maioria jovens estudantes, que foram chamados pelo autor e showrunner da franquia, Flavio, para darem vida a seu mundo ficcional. Para muitos destes jovens talentos, este foi o primeiro trabalho de suas carreiras, pois o objetivo, segundo Flavio, é abrir o mercado audiovisual para a produção nacional, valorizando os artistas daqui, por meio de CID World.

Apesar de atuar ativamente para impulsionar a arte, animação, storytelling e literatura fantástica no Brasil, Flavio Cimonari tem uma visão bem modesta de si mesmo – “Não tem nem como me comparar ao mestre Tolkien, é claro. Ele era o máximo! Mas sempre me inspirei em seu maravilhoso trabalho com seus idiomas para lapidar as línguas que desenvolvi para CID World”, comenta o criador brasileiro, com humildade.

 

Um  idioma com apenas 10 letras

Mas a verdade é que este autor brasileiro ‘lapidou’ seus 12 idiomas por mais de 35 anos. Segundo ele, o primeiro idioma, o Shassid, foi criado em 1984. Desde então, longe de abandonar suas criações linguísticas, Flavio Cimonari optou por desenvolve-las cada vez mais. E uma passagem pelo curso de Letras da Universidade de São Paulo, bem como o aprendizado de tantos idiomas ao longo de sua vida certamente o influenciaram em sua busca por aprimorar as conlangs (línguas artísticas) que criou para sua franquia de cultura pop 100% brasileira.

Com apenas 10 letras (3 vogais e sete consoantes), no Shassid todas as palavras tem apenas 3 letras. Apesar de sua aparente simplicidade, o Shassid é totalmente funcional, podendo-se escrever, falar e até criar histórias e livros nesta língua. Mas o que mais chama a atenção neste curioso idioma sem dúvida são as ‘chaves de sentimento’ – símbolos colocados no começo e no final de uma sentença, que explicitam exatamente qual o sentimento do falante ao dizer a frase.

Flavio até publicou, no ano passado, um dicionário Shassid-Português, com mais de 300 páginas. De partes do corpo a objetos do dia-a-dia, passando até por fórmulas matemáticas e termos mais modernos como ‘email’, ‘celular’ ou ‘iPad’, tudo parece ser passível de tradução por meio deste dicionário. E para quem quiser saber mais sobre este idioma, o autor publicou um vídeo sobre o Shassid no canal oficial da franquia CID World.

O Shassid impressionou tanto aqueles que se debruçaram mais tecnicamente sobre ele, que já há até TCC na área de linguística se focando neste idioma, como se pode ver aqui.

 

Mais línguas, Mais alfabetos

Nem só o Shassid é usado no mundo ficcional de Moa, palco dos livros, vídeos e futuras séries programas para a franquia CID World. Outros idiomas igualmente interessantes são, por exemplo, o ‘Rodja’, a língua de um outrora povo nômade guerreiro, com seu alfabeto diferente, e construção intrigante das palavras. Até dialetos e ‘caipirismos’ foram incluídos nas áreas onde o Rodja é falado, mostrando um cuidado absurdamente grande com detalhes e verossimilhança.

Ou ainda o idioma ‘Tawtoné’ Moderno, descendente direto do ‘Tawton Clássico’, a língua do outrora poderoso império feminino das Tugate, com sua escrita elegante e fluída. Flavio teve tal preocupação com os detalhes que fez, inclusive, toda uma linha de evolução etimológica, mapeando centenas de anos de mudanças e adaptações desta língua, de um império aos vários países que hoje usam o idioma e suas variações regionais.

E além destes, ainda se poderia falar do idioma ‘Wádyen’, a língua dos povos Toi, uma das mais antigas de Moa, em sua história ficcional de mais 3.500 anos de duração. Silábico como a escrita de haragana e katakana do japonês, o ‘Wádyen’ conta com pelo menos 6 dialetos diferentes, e uma infinidade de regionalismos.

É essa preocupação com os detalhes, a riqueza de vocabulários, a interligação entre os diversos idiomas durante seu desenvolvimento etimológico, e uma pitada de criatividade brasileira no seu melhor, é o que faz dos idiomas criados por este autor brasileiro, que já lançou três livros sobre CID World, algo único no cenário audiovisual atual no Brasil. E faz de Flavio Cimonari um bom candidato ao título de Tolkien brasileiro – “guardado, claro, as devidas proporções”, segundo ele mesmo.

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