Luiz Gonzaga & Luís da Câmara Cascudo: De onde vem o baião?
O historiador, antropólogo, etnógrafo e folclorista norte-rio-grandense Luís da Câmara Cascudo (1899-1996) é famoso no meio acadêmico do Brasil e do mundo. O autor de mais de 150 livros nesses campos do saber, em âmbito local, regional, nacional e estrangeiro da presença da civilização brasileira, ele era louco por Luiz Gonzaga.
No livro mais famoso dele, o Dicionário do Folclore Brasileiro, 1ª edição de 1954, espécie de resumo bibliográfico dos temas fundamentais de suas obras, há um verbete tratando das origens e manifestações da dança popular baião, e outros verbetes afins da palavra: baiana, baiano, baiana.
Câmara Cascudo escreve nesse verbete a respeito do baião como tendo sido dança popular muito preferida no Nordeste do século XIX. Baião é também o pequeno trecho musical executado entre os desafios dos cantadores de viola. Refere a Luiz Gonzaga:
“A partir de 1946, o grande sanfoneiro pernambucano Luiz Gonzaga divulgou pelas estações de rádio do Rio de Janeiro o baião, modificando-o com a inconsciente influência local dos sambas e congas cubanas. O baião vitorioso em todo Brasil conserva células rítmicas e melódicas visíveis dos cocos, a rítmica (de percussão) com uma unidade de compasso exclusivamente par.” Câmara Cascudo continua referindo aos estudos do maestro Guerra Peixe sobre o assunto.
As paredes internas da sala do sobrado de Luís da Câmara Cascudo, em Natal (RN), hoje Memorial, são cobertas de autógrafos de gente famosa e anônima. Muitos de passagem pela capital potiguar quiseram conhecer ou rever o mestre do folclore nacional. Entre eles, o próprio astro Luiz Gonzaga, que também deixou a sua assinatura no local.
Luís Câmara Cascudo escreveu um texto, em 1973, para a contracapa de um disco de Luiz Gonzaga lançado naquele ano. Essa apresentação é a mais completa descrição que eu conheço da genuinidade do fenômeno artístico do Rei do Baião. Leiamos:
“Luiz Gonzaga é uma legitimidade do Sertão tradicional. Sua inspiração mantém as características do ambiente poderoso e simples, bravio e natural, onde viveu. Não imita. Não repete. Não pisa rastro de nome aclamado. É ele o mesmo, sozinho, inteiro, solitário, povoando os arranha-céus com as figuras imortais do Nordeste, ardente e sedutor, fazendo florir cardeiros e mandacarus, levantando os mormaços dos tabuleiros.
“Luiz Gonzaga é um documento da Cultura Popular. Autoridade da lembrança e idoneidade da convivência. A paisagem pernambucana, águas, matos, caminho, silêncio, gente viva e morta. Tempos idos nas povoações sentimentais voltam a viver, cantar e sofrer quando ele põe os dedos no teclado da sanfona de feitiço e de recordação.
Não posso compará-lo a ninguém. Luiz Gonzaga é uma coordenada humana que as ventanias urbanas fazem vibrar sem modificações. Ele próprio é a fonte, cabeceira e nascente de suas criações.” (Xico Nóbrega)