O novo ciclo de expansão na Caatinga

Parque eólico na Bahia. Foto: Divulgação | Programa Amigos da Onça

O novo ciclo de expansão na Caatinga

“A energia renovável é, na minha visão, a indústria sem água que pode ser instalada no semiárido”, considera Sérgio Xavier, coordenador do Fórum Brasileiro de Mudança do Clima (FBMC), do Governo Federal. “Nós já temos um déficit hídrico que no futuro vai se agravar com as mudanças climáticas, com elevação de temperatura, redução de chuva.”

Em 2011, Xavier era secretário de Meio Ambiente de Pernambuco quando as eólicas começaram a chegar com força no Nordeste, seguida pela solar. “Estava todo mundo apressado para ter licença rápida, dizendo que a energia renovável é muito importante. Mas a gente dizia que tinha que ser feito com rigor, olhando a dimensão social e ambiental”, ele recorda.

No âmbito do licenciamento, a secretaria realizou um mapeamento do estado. Considerou que a expansão poderia ocorrer em áreas em processo de desertificação, degradadas ou que precisavam de recomposição florestal. Já áreas de importância biológica exigiram um licenciamento “muito rigoroso”, a exemplo das serras visadas pelos empreendimentos, mas com “espécies que nem foram estudadas”.

Diante deste novo ciclo de crescimento do setor, Xavier considera que os estados ainda carecem de um zoneamento, para aliar a produção energética e a conservação. “O Nordeste precisa definir quais são aquelas áreas em que é muito bem-vindo chegar projeto eólico e solar e, no licenciamento, criar um conjunto de condições com uma visão integral, que inclua as comunidades locais no processo e agregue na regeneração da Caatinga”, avalia.

O FBMC está em processo de reestruturação. Em fevereiro, os trabalhos terão início com 24 câmaras técnicas temáticas. No grupo de transição energética, o objetivo é reunir representantes dos governos, empresas, academia e sociedade civil, e formular propostas para o Governo Federal, os governos e fóruns estaduais e outros atores do setor, como a ANEEL e a Empresa de Pesquisa Energética.

“A prioridade maior é fortalecer a relação com as comunidades. Criar canais, processos e modelos em que sejam efetivamente ouvidas e sejam beneficiadas”, ressalta Xavier. “Hoje, grande parte dos empreendimentos geram uma série de problemas de injustiça social, contratos desequilibrados que não respeitam as pessoas mais frágeis, e não estão melhorando os indicadores sociais. O desenvolvimento precisa ser positivo na economia, na rentabilidade das empresas e na evolução social, redução da pobreza, proteção e, sobretudo, regeneração ambiental.”

O Plano Nordeste Potência, iniciativa de organizações da sociedade civil, foi lançado em julho de 2022 e apresenta propostas para que as energias renováveis cheguem “de uma forma justa e inclusiva”, diz Fabiana Couto. Para esse avanço se dar de maneira adequada, o plano estabelece cinco eixos de ação: gestão pública direta, capacitação de mão de obra, participação social, geração distribuída de energia renovável e ações na bacia do rio São Francisco.

Para Couto, os parques eólicos e solares são primordiais para o projeto de desenvolvimento verde da região. O plano avalia que os empreendimentos já outorgados e em construção representam dois milhões de empregos.

Uma das propostas principais é o desenvolvimento participativo de um zoneamento econômico ecológico social (ZEES), para que os estados definam “áreas mais aproveitáveis” do ponto de vista energético e “cartografias sociais para identificar onde estão esses territórios e quem está neles”, para “implementar empreendimentos em locais com menores impactos socioambientais”. “É um ponto base para conseguir avançar de uma forma mais justa para as populações. A maioria dos estados ainda não tem. Alguns estão mais avançados, como o Ceará e o Rio Grande do Norte”, observa Couto.

A participação social, por sua vez, abrange a inclusão da população nas discussões em fóruns permanentes, “para democratizar a informação sobre o que são os projetos solares e eólicos e as linhas de transmissão, e assim garantir direitos de identidade e permanência dessas populações sobre o território.”

Em 31 de janeiro, comunidades locais atingidas no Nordeste vão lançar o documento “Salvaguardas Socioambientais para Energia Renovável”. Após dois anos de discussões sobre os impactos enfrentados, elas chegaram a mais de cem recomendações para os setores público e privado tornarem esta uma transição energética justa e inclusiva, com efetiva redução de impactos dos parques ao meio ambiente e às populações locais. O lançamento acontecerá em uma audiência virtual, com representantes das comunidades e órgãos como o Ministério Público Federal e a Defensoria Pública da União.

O Plano Nordeste Potência apoiou no desenvolvimento e vai atuar na apresentação aos órgãos tomadores de decisão. Segundo Couto, os pontos centrais do documento são os contratos de arrendamento de terra entre empresas e populações locais, o licenciamento ambiental e as outorgas. “Muita coisa tem sido discutida em termos de consulta livre, prévia e informada, prevista na Organização Internacional do Trabalho (OIT) 169; violação de direitos da terra, respeito aos modos de vida tradicionais. A consulta a essas comunidades, principalmente indígenas e tradicionais, tem sido renegada”, destaca Couto.

“Com todos os incentivos que estão sendo dados para energia solar, eólica e, agora, hidrogênio verde, é extremamente necessário ter os marcos regulatórios, para regulamentar toda essa expansão nesse sentido. Projetos de lei em andamento das eólicas, do hidrogênio verde, que são muito positivos e fazem com que o Nordeste avance nessas questões e seja protagonista”, continua Couto.

 

Essa reportagem faz parte do especial Transição Energética, realizado com apoio da Climate Tracker Latin América.

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